Devo-lhes dizer que fiquei realmente impressionado quando ouvi essa história pela primeira vez, e dizer também que ainda fico arrepiado toda vez que a ouço novamente ou divago sobre o ocorrido. Talvez já tenham ouvido feitos mais grandiosos sobre heróis de além do norte destas montanhas que nos proporcionam sombra nesta tarde, ou até mesmo mentiras mais bem arquitetadas pelos larápios das cidades do sul, mas para um velho solitário como eu, que não escuta nada além de bobagens e lorotas dos pescadores ribeirinhos, essa história foi realmente bem impressionante.
O motivo que levou esses tais três jovens a se aventurarem pela floresta das sombras profundas não me vem à memória nesse momento -- acho que corriam contra o tempo para levar a um nobre de suas terras os medicamentos holísticos preparados por um ancião ao qual chamavam de "druida" (se bem que posso estar confundindo as coisas). Mas, de qualquer forma, caso vocês ousassem perguntar a todos humanos e elfos destas paragens que tenham ouvido ao menos um terço do que eu ouvi sobre aquela maldita floresta em toda a minha vida, apostaria todas as minhas riquezas que todos, sem exceção, diriam em uníssono que os jovens eram loucos por terem feito tal idiotice de pisarem naquele lugar maldito! E mais idiotas ainda seriam se realmente tivessem evitado os caminhos e as trilhas feitas pelos nossos antepassados que comercializavam lã e mel com os povos do limiar oposto da floresta, pois algumas versões da mesma história afirmam que os garotos preferiram se embrenhar por entre as árvores no intuito de evitarem os demônios que espreitavam as margens das estradas, prontos para devorarem os incautos.
Mas, de toda sorte, tendo ido pelas estradas ou não, problemas e percalços não faltaram para os três, indo desde a morte de seus animais, que, cansados pela extenuante viagem por entre as árvores (e vocês devem saber que cavalos e mulas não foram feitos para zigue-zaguearem por entre tenebrosos troncos de sequoias e eucaliptos), sucumbiram às picadas dos gigantescos insetos que lá se abrigam, até doenças misteriosas causadas pelos sucos das frutas estranhas geradas pelas árvores mais baixas. A fome e a sede também eram inimigas poderosas. E mesmo assim os espíritos guerreiros dos três ousavam persistir às adversidades daquele pedaço do inferno na Terra.
Mas o que quero lhes contar não é sobre fome e sede, nem sobre a aranha gigante que tiveram que queimar com óleos e tochas, muito menos sobre o enorme arco de pedra que acharam incrustado numa das faces de uma das colinas mais afastadas e perdidas da floresta (cuja história e finalidade nem os elfos conhecem). Sei que renderiam ótimas histórias, mas o que realmente sinto-me no dever de lhes alertar é na verdade sobre a hedionda silhueta enegrecida que cismava em observar os três por entre os troncos das árvores durante as noites, nos períodos de descanso e revezamento de turnos; sobre a sombra que carregava consigo um pujante odor repulsivo de morte tão forte que era capaz de, até mesmo, matar insetos e pequenos animais.
O quê? Não me diga que terá de ir alimentar seu cavalo justo agora. Se não julgasse que és um homem forte e corajoso (afinal, não estaria carregando uma espada e uma cota de anéis se não o fosse), poderia jurar que começou a ficar com medo. Está bem, vá cuidar de seu animal enquanto eu preparo o chá para seus amigos, mas lembre-se de retornar à cabana, pois o que eu tenho a dizer será de suma importância para vocês, outros loucos que decidiram percorrer aquele antro de insanidade.
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